O Que Os Espíritos Dizem

E Se Fosse Comigo?

Esse texto foi escrito por ocasião do atropelamento do filho da atriz Cissa Guimarães, em 2010, e publicado em meu outro blog, Bocas de Fogão.

Para lhes refrescar a memória: Rafael Mascarenhas foi atropelado quando andava de skate em um tunel interditado no Rio de Janeiro, em 20/07/2010. Ele tinha 18 anos. O atropelador, Rafael Bussamra, participava de um pega, e responde por homicídio doloso (quando não há intenção de matar).

Dois policiais foram condenados a cinco anos de prisão em regime semiaberto, por terem recebido propina de R$ 10.000,00. O suborno foi praticado pelo pai do atropelador, Roberto Bussamra, em troca da liberação do carro logo após o acidente.

E SE FOSSE COMIGO?

por Liz Bittar em Julho, 2010

Um dia, quando menos se espera, pode acontecer. De madrugada, um telefonema. Do outro lado da linha, a voz embargada do filho: “Pai, vem me socorrer. Me envolvi em um acidente.”O susto é tão grande que você esquece de pedir detalhes. Ainda sonolento, tentando controlar o pânico, sai em disparada ao encontro dele.

No caminho, enquanto dá graças aos céus por salvar o seu filho, vai relembrando o passado. Desde a infância até a idade adulta, lembra das cantigas de ninar, dos desenhos com dedicatória, das primeiras gracinhas. Lembra das travessuras de moleque, das brigas com os primos, das notas baixas e das broncas. Lembra que, enquanto seu filho crescia, você depositava nele esperanças, sonhos – e o futuro que você tinha planejado não incluía acidentes de madrugada.

Um arrepio lhe corre pela espinha: Meu Deus, estive a um triz de perder o meu filho! E todas as suas esperanças, todos os seus planos pra ele ficam ainda maiores: você percebe que o tempo está passando rápido demais, e você ainda não realizou nem metade!

A função dos pais é proteger, resguardar os filhos. É esse o chamado no meio da madrugada: “Pai, vem me resgatar!” E você, pai aflito, só consegue ter um pensamento: poupar o filho, apagar o ocorrido, fingir que não aconteceu.Você quer inundar o seu filho de amor, levá-lo de imediato pra um lugar seguro; inventar uma “Terra da Felicidade” e colocá-lo ali, livre de preocupações. “Graças a Deus você está salvo! O resto não importa”.

Mas, a vida pode te colocar em uma situação para a qual você estava ainda menos preparado: o seu filho, salvo, protegido, intacto, acaba de tirar uma vida humana. Outros pais sofrem, agora, tudo aquilo que você, por um triz, foi poupado.

A você cabe então uma decisão difícil: Garantir a segurança e o bem estar do seu filho, comprando o silêncio das testemunhas e burlando a lei, ou entregar o seu filho (o seu menino) aos leões.

Não é uma decisão fácil. Nunca é fácil se colocar no lugar do outro – nem mesmo quando o outro acaba de perder o maior bem desta vida. Mas também não é fácil entregar um filho à impiedade da lei; enfrentar delegacia, correr o risco de ser preso, misturar-se com bandidos.

Você vai me dizer “Não, não foi isso que eu planejei pra ele; não foi pra isso que vivi a minha vida inteira. Desde que ele nasceu, não houve um só dia na minha vida que não tenha sido dedicado ao seu bem estar, à garantia de sua felicidade, ao investimento em suas realizações.”

Concordo com você. Assim somos nós, pais e mães. A isso nos dedicamos, todos nós. Mas, quantos de nós nos preocupamos em realmente preparar nossos filhos para a VIDA? Cada vez que deixamos pra lá, encobrimos uma falta por menor que seja, cada vez que isentamos nossos filhos de arcarem com as conseqüências de seus pequenos mal-feitos, será que estamos mesmo “poupando-os”, educando-os para a vida?

Você pode me dizer que tudo o que fez foi porque só queria que seu filho fosse feliz. Eu sei, todos queremos. Mas, quem foi que disse que ser feliz é não sofrer jamais? Quem disse que os pais devem tomar para si as dores dos filhos? A dor faz parte do processo de crescimento, não se deve temê-la, mas preparar-se para ela.

Quando li que o plano inicial do pai do motorista que atropelou Rafael Mascarenhas era pagar suborno a policiais corruptos, consertar o carro e apagar assim qualquer vestígio de culpabilidade do filho, senti mais pena dele do que da Cissa Guimarães - porque ela perdeu parte de sua alma, com a morte do filho... mas não a vendeu, como fez o pai do atropleador.

Quando ele soube que a vítima era filho de pessoa pública, percebeu que não adiantava pagar suborno; a mídia iria falar de qualquer jeito! Foi aí que parou para pensar. E você, já pensou? Já se perguntou:“E se fosse comigo?”

“E se meu filho tivesse atropelado alguém, matado alguém – mesmo sem querer? Mesmo sem estar correndo, mesmo sem ter bebido, mesmo sendo um motorista cauteloso, mesmo tendo sido sempre um rapaz correto, bom filho, bom amigo? E se fosse com ele? E se fosse comigo?”

Você parou pra pensar nisso? Não sobe, em você também, um calafrio incômodo pela espinha? O que você faria?

“Você ia direto me apresentar na delegacia”, respondeu meu filho. É verdade. Mas não sem estar com o coração partido. Não, sem sofrer por ele e sem perder parte da minha alma, pela vítima. Vítima de uma fatalidade, que interromperia o futuro de felicidade sem máculas planejado para um filho tão amado, tão querido.

Criamos nossos filhos com amor e esperamos que eles sejam responsáveis quando crescerem. Seria maravilhoso, mas não é assim que funciona. Amor não basta.

Se estamos empenhados em construir em nossos filhos alicerces afetivos e éticos, como negligenciar da fé?

Fico impressionada com a quantidade de pais que não se preocupam em oferecer aos seus filhos formação religiosa – afinal, existe coisa mais fora de moda?

Fé e religião nunca saíram de moda – a forma de ensinar talvez deva ser mudada (refiro-me aqui essencialmente à teoria). Mas é na prática, é exemplificando, vivenciando os conceitos, que vamos realmente educar nossos filhos em questões de ética e de fé.

O triste acidente de Rafael é muito mais do que um caso de polícia. Envolve amor ao próximo, perdão, esperança e fé – para ambas as famílias.

O coração transtornado do pai que é capaz de vender sua alma na ilusão de arrancar dos ombros do filho o peso da culpa, poderia ter compreendido mais cedo que o dinheiro só apaga evidências materiais; as da alma, são curadas de outra forma. Quanta falta lhe está fazendo a fé!

O coração em frangalhos da mãe, que tem que entregar seu filho aos homens da lei, travestidos de carrascos aos seus olhos, poderia encontrar consolo e esperança na certeza de que, permitindo que seu filho assuma as conseqüências de seus atos, mesmo quando não intencionais, faz o mesmo que lavar-lhe a alma, e prepará-la para florescer de novo.

A impressão que fica é que a vida, que andava por demais acelerada, agora fez uma parada obrigatória; uma pausa para reabastecer. Um momento mais do que propício para recarregar-se - agora sim - de fé, de amor ao próximo e de humildade. Hora de se encontrar com Deus.

Que Deus permita que assim seja, e que esta tragédia possa ser o início desta caminhada. Um despertar, para o que realmente importa.

E a mãe que teve seu coração extirpado, dilacerado e enterrado, e lava a alma com seu pranto, também tem agora o seu encontro com Deus. Nossas preces são para que ela se sinta em paz, e não vingada; que descubra o perdão, e não a revolta. E que uma grande calmaria a arrebate, para que se deixe acolher, em suave entrega, aos braços serenos da fé.

Por Liz Bittar em 24 de Julho de 2010

Os artigos publicados na seção Reflexões, por Liz Bittar são, como o nome diz, minhas reflexões pessoais, e não constituem material doutrinário,
nem refletem posicionamento oficial da doutrina espírita. Eles refletem, entretanto, o que eu assimilei da doutrina, e o impacto que esses ensinamentos têm na minha vida,
em minhas escolhas pessoais, e na minha forma de ver o mundo.

Como material de consulta sobre o espiritismo, recomendo as obras de Allan Kardec e os mais de 500 livros de Chico Xavier.
Os artigos desta seção são apenas reflexões pessoais, ou narrativas de experiências pelas quais passei.

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